
Quando olho para a minha trajetória e penso em saúde, sempre me vem à mente uma imagem de força silenciosa. Eu cresci em uma família onde a prioridade era garantir que o futuro dos filhos fosse mais promissor, mas, ao mesmo tempo, víamos o sacrifício diário de nossos pais para que tivéssemos condições de estudar, crescer e, quem sabe, encontrar algo melhor para nós do que eles haviam encontrado para si. Minha mãe, comerciante, e meu pai, pedreiro, nos ensinaram a importância do trabalho árduo. Eles nunca me falaram diretamente sobre saúde, mas sempre souberam que a base do bem-estar está na possibilidade de escolhas e no acesso a oportunidades que muitas vezes não são iguais para todos.
Foi por isso que, em meio a uma carreira jornalística consolidada e uma trajetória de professora, decidi seguir um novo caminho: a fonoaudiologia. A área de saúde não é fácil. Exige resiliência, empatia e, acima de tudo, comprometimento com o outro. Ao longo dos meus estudos, comecei a refletir cada vez mais sobre a saúde da mulher no Brasil e sobre como, muitas vezes, o cuidado a elas é negligenciado, insuficiente ou, pior, estigmatizado. A escolha pela saúde não foi apenas uma decisão pessoal, mas uma forma de contribuir para a construção de um país mais justo e igualitário, onde a mulher tenha acesso à saúde de qualidade, sem precisar lutar por isso o tempo todo.
A saúde da mulher no Brasil ainda enfrenta desafios que parecem não ter fim. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres enfrentam maiores riscos de doenças relacionadas ao sistema reprodutor, como o câncer de mama, câncer de colo de útero e complicações decorrentes de gestação e parto. No entanto, mais alarmante do que os dados sobre as doenças, é a realidade de muitas mulheres que sequer têm acesso ao diagnóstico precoce, à prevenção ou ao tratamento adequado. A desigualdade social e a falta de acesso ao sistema de saúde agravam ainda mais essa situação, fazendo com que mulheres em contextos mais vulneráveis, especialmente as mulheres negras e periféricas, sofram as consequências de um sistema de saúde que falha em atendê-las de forma equânime.
O Brasil, infelizmente, apresenta um cenário preocupante. O Ministério da Saúde aponta que o câncer de mama é o mais comum entre as mulheres brasileiras, mas a taxa de mortalidade continua alta, em grande parte porque muitas mulheres não têm acesso a exames preventivos regulares. O estudo do Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que mais de 66 mil novos casos de câncer de mama surgirão no país em 2025. Uma realidade que poderia ser diferente com mais investimento em campanhas de conscientização, em políticas públicas de saúde mais inclusivas e na redução das desigualdades regionais no atendimento.
Mas a saúde da mulher não é apenas uma questão de diagnóstico e tratamento. Ela está intrinsecamente ligada à qualidade de vida, à educação sobre o corpo e à construção de uma cultura que respeite a saúde feminina em todas as suas fases. Durante meus estudos, comecei a perceber a falta de uma abordagem mais integral para a saúde das mulheres. Em muitas situações, o cuidado com a mulher se resume a intervenções pontuais, sem que haja um acompanhamento contínuo, uma escuta ativa das suas necessidades e um compromisso real com o seu bem-estar global.
Pensar em saúde da mulher significa olhar para as condições de vida de uma mulher, desde a sua infância até a sua velhice. Significa ouvir as mulheres, respeitar seus tempos, suas escolhas e necessidades. E, sobretudo, proporcionar um cuidado que vá além do físico, que considere a saúde mental e emocional como partes essenciais desse processo. O Brasil, a despeito de todos os avanços, ainda precisa aprender a olhar para as mulheres de forma mais humana, considerando as especificidades e as diferentes realidades em que elas vivem.
Se há algo que aprendi ao longo da minha jornada como estudante de fonoaudiologia é que a saúde deve ser um direito universal, acessível a todos e, especialmente, às mulheres. De uma forma ou de outra, as mulheres carregam em si uma força transformadora, mas também enfrentam desafios diários que precisam ser enfrentados com seriedade. Precisamos mudar essa realidade. Precisamos de mais políticas públicas que garantam o acesso à saúde, precisamos de mais respeito no trato com a mulher, precisamos de mais empatia para entender suas necessidades, suas lutas.
E, como mulher, como futura profissional de saúde, a minha luta também é por isso: por uma saúde que seja mais inclusiva, mais acessível e mais justa. Porque a saúde da mulher não pode ser apenas uma estatística. Ela precisa ser uma prioridade.
Autora: Francieli Braga Costa
*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião da JSB.