
Quando pequena sempre fui agraciada com mulheres muito fortes ao meu redor. Fui criada pela minha mãe, uma mulher preta, nordestina e muito batalhadora que sempre fez de tudo para que eu tivesse um futuro melhor. Desde cedo, sonho e tenho como propósito mudar a realidade dela. E assim como eu, milhões de brasileiros são filhos e filhas de empregadas domésticas que se ausentam de suas famílias para cuidar dos lares de outras pessoas.
De acordo com o IBGE, o Brasil tem mais de 5 milhões de trabalhadoras domésticas, sendo que a grande maioria delas são mulheres pretas. Muitas dessas mulheres abdicam de sua presença no dia a dia da sua família, de seus filhos para garantir oportunidades que talvez não tenham tido, como o acesso ao ensino superior e a possibilidade de quebrar ciclos de desigualdade.
Quando tomei consciência de todo esse cenário, entendi o porquê da minha mãe repetir que estava “me criando para o mundo”, aprendi que ser mulher é carregar sonhos e desafios na mesma bagagem, uma bagagem bem pesada, por sinal. Cresci ouvindo histórias das mulheres da minha família, e ao longo do tempo passei a ler sobre mulheres incríveis que lutaram para ocupar espaços onde antes não eram bem-vindas.
Hoje, falando com muito orgulho como mulher preta e jovem, que trabalha no dia a dia do Congresso Nacional, vejo de perto o impacto que a participação feminina tem na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
O papel da mulher no meio social sempre foi determinante, mas nem sempre reconhecido. Ainda hoje, enfrentamos uma realidade em que a desigualdade de gênero persiste em diferentes áreas: no mercado de trabalho, na política, na educação e até dentro dos lares por todo o Brasil. Para se ter uma ideia, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, serão necessários mais de 130 anos para eliminar a desigualdade de gênero no ritmo que estamos. Isso é inaceitável!
A representatividade feminina nos espaços de poder não é apenas uma questão de justiça, mas de eficiência. Estudos mostram que empresas e governos que contam com mulheres em posições de liderança tomam decisões mais inclusivas e alcançam melhores resultados. No Brasil, apenas 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres (isso sem contar o recorte racial). Esse número precisa crescer para que as políticas públicas reflitam verdadeiramente a diversidade da nossa sociedade.
Nas últimas semanas, o Congresso Nacional foi palco de episódios que evidenciam o ambiente hostil enfrentado por mulheres na política. A ministra Marina Silva foi alvo de uma declaração extremamente violenta feita por um senador, que afirmou que ouvi-la por seis horas sem “enforcá-la” seria um desafio.
A ministra recém empossada, Gleisi Hoffmann foi atacada de forma misógina por um deputado federal, que tentou desqualificá-la com insinuações sexistas. Esses casos não são meras brincadeiras, mas sim violência política de gênero, uma prática que visa rebaixar, humilhar e afastar as mulheres da esfera pública.
A violência de gênero se manifesta em diversas esferas – da política ao cotidiano –, e mulheres negras são as mais atingidas, representando 66,9% dos casos registrados de feminicídio. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, o número de feminicídios no último ano chegou a 1.467 vítimas, o maior desde a criação da lei que tipifica esse crime, em 2015. Além disso, a cada 17 horas, uma mulher foi vítima de feminicídio nos estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança. Em 75,3% dos casos, os crimes foram cometidos por pessoas próximas, e 70% das vítimas foram mortas por parceiros ou ex-parceiros.
Esses números reforçam a necessidade de combater com seriedade qualquer comportamento que perpetue a misoginia e a violência política. Não se trata apenas de exigir respeito às mulheres na política, mas de defender a democracia e a civilidade no debate público. O programa Brasil sem Misoginia, do Ministério das Mulheres, por exemplo, é um dos esforços para mobilizar a sociedade contra essa cultura de ódio e discriminação, mas sua eficácia depende da adesão de todas as instituições, inclusive do próprio Congresso.
O impacto da representatividade feminina é inegável. Segundo pesquisa do Instituto Patrícia Galvão e do Ipec, nove em cada dez brasileiros acreditam que a presença de mulheres na política melhora a sociedade. Além disso, 89% dos entrevistados querem mais candidatas nas próximas eleições. No entanto, 77% reconhecem que as mulheres não são incentivadas desde jovens a se interessar pelo meio político, e 84% acreditam que a baixa representação feminina nos espaços de poder é um reflexo da discriminação que sofrem.
Os brasileiros identificam a saúde e a educação como as áreas que mais registrariam avanços e melhorias se os cargos de poder no Executivo ou no Legislativo fossem ocupados por mulheres. O impacto social da mulher vai muito além do cuidado e do servir. Ele está na gestão, na economia, na infraestrutura, no judiciário, na segurança pública e porque não no parlamento?
O Brasil precisa urgentemente reconhecer e valorizar essa força transformadora, garantindo que as mulheres tenham voz, poder e espaço para decidir e defender os melhores rumos à sociedade. Essa luta não pode ser apenas nossa, mas sim uma questão de cidadania, uma luta de todos que acreditam em um futuro mais justo e igualitário para as gerações que estão por vir.
Autora: Ana Cardoso – Secretaria Geral da JSB
*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião da JSB.